Casa frágil da ilusão
Uma caixa de vidro
Oportuna se é abrigo
Sufocante se é prisão.
Poesias e outras fugas
Em versos cantados, enfeita de amoras
Os ramos tristes da vida mundana
Provoca o riso das velhas senhoras
Corteja as belas ciganas
Partilha provérbios insanos
Decifra os arcanos humanos
E adorna o caminho das horas.
Vende-se um teto:
Pode ser de palha
Também de concreto
Tem sombra de dia
À noite têm estrelas
Se chove é coberto.
Tem forma de pipa
Tem cor de maçã
Nem curvo, nem reto
Um teto poesia
Moldado nas mãos
De um anjo arquiteto.
Se o meu coração fosse de barro
Não seria alvenaria
Também não seria jarro
Porque nada aprisionaria.
Se de espuma fosse o meu coração
Não estaria em banheira de luxo
E sim nas ondas do mar
Brincando longe da razão.
Se meu coração fosse de pó
Sujeira não iria causar
Estaria no espaço imenso
Seria poeira estrelar.
Se meu coração fosse de gelo
Não seria indiferente
Nevaria nas montanhas
Até virar água corrente.
Se fosse de metal o meu coração
Não seria gaiola, nem espada
Seria a mais linda jóia
Da indiana adornada.
Se o meu coração fosse de pedra
Não seria um diamante
Seria um seixo de rio
Onde se banham os amantes.
Se dentro do meu peito
Batesse um coração de vento
Seria fresco no dia quente
E adormeceria no relento.
Mas meu coração é de carne
É só um coração de gente
Que queria ser tanta coisa
Por isso bate incoerente...
Sou bicho livre que não gosta de sapato
Bom é o som do mato e o cheiro do mar.
Um bicho solto e inconseqüente
Que ama bicho e ama gente
Bicho grilo, rã e passarinho
Encolhido no ninho, tem vontade de voar
Bicho tranquilo, que vai deixar de herança
O prazer de ser criança e o gosto por sonhar.
Destroem a chuva e o vento
As humanices pendidas no tempo
Como se brincassem com a vida
Transformam o reto em orgânico
Inventando um jardim botânico
Em cima da casa esquecida...
Tudo o que existe
É o que cada um identifica,
É o que passa e fica
Prosperidade ou agonia.
A mesma cena, o mesmo dia
Faz do espectador um criador
Da paisagem rica ou vazia.
Tudo que existe é o que se acredita
Vidas, sonhos, deuses e poesias.
Este pranto esconso entre as pernas
É néctar de planta mordida
Da mulher que transborda de vida
Fonte etílica e terna de sanha uterina
A flor que abre tardia
Com alguma metade divina
E outra de fêmea vadia.